O modelo americano de família definido num dos capítulos finais da monumental “História da Vida Privada”, publicada em França nos anos 80 sob a direção de Georges Duby e Philippe Ariès, parece hoje ultrapassado. O autor do capítulo contrapunha o modelo europeu, com base essencialmente no estudo do caso francês, herdeiro da família alargada tradicional, ao modelo americano, onde via uma mutação significativa na direção da prevalência da família nuclear. Não só, à época, o estudo já desvalorizava ou, mesmo, ignorava algumas das comunidades que compunham o melting pot americano (a análise baseava-se essencialmente no modelo anglo-saxónico, ou, melhor, WASP), como, entretanto, as alterações demográficas sofridas e a proeminência adquirida por essas comunidades, os mais recentes fluxos migratórios, bem como as transformações socioculturais dos últimos anos, mudaram profundamente a sociedade e, naturalmente, o respetivo modelo de família.

Se quisermos, a programação do Outsiders deste ano, procura responder à questão “o que é, hoje, a família americana”?

Trata-se, portanto, de um conjunto de filmes que tenta esboçar o retrato da América contemporânea, do seu fascínio e das suas contradições, através de um olhar sobre a família nas suas múltiplas declinações: família presente e família ausente, família funcional e família disfuncional, família clássica ou algumas das variações modernas ao modelo, como a família same-sex ou a família de substituição.

A existência de um fio condutor não impede, contudo, um leque de filmes muito diferentes.

Os 12 filmes que compõem o programa desta terceira edição abrangem géneros muito diversos (da comédia ao melodrama, passando pelo terror e pelo road movie); incluem ficções e documentários; possuem autores de origens geográficas e étnicas variadas (um número significativo de realizadores negros e asiáticos, entre os quais o nosso convidado, Patrick Wang, que será objeto de um minifoco, com a exibição de dois dos seus filmes), bem como uma maior representatividade de mulheres realizadoras; foram premiados ou apresentados em festivais prestigiados (um Grande Prémio em Sundance 2023 — A Thousand and One —, seleções oficiais em South By Southwest, Locarno ou Berlim); contam com a presença de nomes conhecidos (Lily Gladstone — nomeada para o óscar este ano —, Brian Dennehy, Hong Chao, Marin Ireland, Teyana Taylor), e são, mais uma vez, todos inéditos em Portugal. Em resumo, mantêm-se fiéis ao espírito que procurámos imprimir aos nossos Outsiders desde o início: diversidade, representatividade e dimensão lúdica.

Carlos Nogueira, Programador