Rui Gomes, estudante de mestrado em Políticas Públicas no ISCTE com 22 anos, é o vencedor do POV – Point of View, um concurso da FLAD que premiou os melhores textos de jovens estudantes sobre as eleições presidenciais dos EUA de 2024. O vencedor vai receber 2.000 euros e verá o seu texto publicado na edição especial da revista SÁBADO dedicada às eleições dos EUA – nas bancas a partir de 12 de outubro.

Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade da Beira Interior, e atualmente a frequentar o segundo ano do mestrado em Políticas Públicas, Rui Gomes venceu o concurso POV – Point of View com o texto “I want you to get mad”. Para além de um prémio monetário no valor de 2.000 euros, o primeiro classificado vai ainda ter o seu texto publicado na edição especial da revista SÁBADO dedicada às eleições dos EUA.

Leia o artigo na íntegra abaixo:

Na exclamação acima, Howard Beale foi ao âmago de meia América. O protagonista de “Network”, filme profético de Sidney Lumet, qual messias, acordava os espectadores de um estado sonolento de engano. Era de alguém com conhecimento do visível e do invisível que vinha o alerta.

Donald Trump, antes e aquando da sua presidência, corporizou esse papel. De fora das massas, mas de uma elite social, tomou as suas dores: açoitou a elite mediática; explorou formas não convencionais de comunicação; desprezou a burocracia americana; malcomportou-se; testou o sistema. Pela natureza da sua eleição, Trump correspondeu: foi eleito insurgente, governou insurgente e saiu insurgente.

Por esse facto, e pelo sucedido no pós-invasão do Capitólio, a atual campanha eleitoral para a presidência dá-se num ringue em que se combate a duas voltas. Uma, pela definição de Estados Unidos da América; outra, pelos aplausos e apupos da multidão.

A América universalista, pop e polícia do mundo, de Biden e Harris, não é a mesma da de Trump. Mais: é o seu contrário e a razão pela qual se combatem. A América trumpista é a antítese da primeira, a que, para essa, deixou muitos descamisados. É a da restauração: da comunidade, da bandeira à porta, do aço, do clamor histórico, do instinto. Para essa, bem ou mal, a resolução dos problemas do país cabe em 280 carateres.

A atual Casa Branca é a face da democracia liberal. Um modelo que, por pesos e contrapesos, freia o ímpeto popular, limitando-o pela lei e pelo passo das instituições de Estado. Visto de outro ponto, um sistema que interioriza a tensão, sem se permear ao drama da ira popular.

Acontece que, para a mobilização de vontades – o que conta em política -, o drama é o X da questão. A caraterização da identidade de um lado e do seu opositor é o início; a formulação das suas vontades é o meio. A vontade de um é impedir a do outro. Quer para a campanha de Harris, quer para a campanha de Trump, o outro deseja anulá-lo. Pela natureza dos fins, todos os meios se justificam. A diferença está no terreno que pisam: contrariamente aos Democratas, o movimento MAGA (Make America Great Again) pisa e percorre o subsolo.

Esse não é um movimento com cara, mas um movimento que a suporta. Trump ou qualquer outro que se proponha a abater o Estado leviatão do seu país. Foi assim que Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, fez de Meloni e Le Pen rock stars. Sempre o drama; sempre o espetáculo.

Para esse, a natureza da luta pela revitalização da América é, por definição, pela sua vida e pela dos que lutam por ela. Deste modo, uma urna de voto é um ringue de luta de rua, onde se sai vitorioso ou morto. A revitalização assume, então, meios revolucionários. O exemplar de “The Russian Revolution”, de Richard Pipes, como montra na secretária de Bannon, que o diga.

A tropa MAGA desfila em terrenos inconvencionais. Nas rádios, nos encontros comunitários, nos bem financiados think-tanks. E não só da rama se alimenta. Vários dos seus comandantes desenvolveram mais de 900 páginas de propostas políticas para uma próxima administração Trump: o “Projeto 2025”. A bíblia do movimento. A bíblia do outro lado? Seguir o procedimento.

Da Flórida à Califórnia, há duas Américas que só o caminho de ferro une, e só uma que passa nos filmes. Por isso – e tanto mais -, muitos trocaram o convencional por um chapéu vermelho e um homem laranja.

Não é tanto um país que se joga: é a sua cólera. A 5 de novembro, um número inflacionado de norte-americanos votará com o estômago.