O Outsiders, agora na sua 4ª edição, tem desde o início procurado olhar com atenção para a América contemporânea, exibindo um cinema que, por se fazer à margem, é capaz de refletir com maior acuidade as preocupações de uma sociedade, multifacetada, mas onde se podem observar tendências comuns.

Uma das tendências mais notórias, que dura há pelo menos uma década e que não é exclusiva dos EUA, prende-se com a polarização de posições e com a proliferação de temas fraturantes, entre os quais o “outro”.

Sem querer transformar uma pequena e despretensiosa mostra de filmes numa tese académica ou descurar o seu carácter lúdico, pareceu-nos que a questão do “outro”, ou, se quisermos, a alteridade, seria uma das chaves da crispação que tem alastrado a todos os setores da sociedade americana.

O receio do “outro” existe desde tempos imemoriais, dizem-nos a História e a Antropologia. A tribo vizinha, o povo detrás da montanha, o credo diverso, sempre inspiraram receio. E hoje, quem é o “outro”? Quem é o alter desconhecido que está na origem dos medos contemporâneos?

Os outros além-fronteiras continuam a causar estranheza e rejeição. É o que nos parecem mostrar filmes como Landfall, que explora a agudização das relações entre os habitantes de Porto Rico e os americanos do mainland, Most Beautiful Island, onde a vulnerabilidade dos imigrantes sem documentos é posta em evidência, Fremont, que aborda as dificuldades de integração dos refugiados afegãos, ou Mountains, sobre as ilusões de várias gerações de uma família de origem haitiana a residir em Miami.

O “outro” clássico pode também estar mesmo ao lado: sob a forma de uma cor de pele diferente — Earth Mama — ou uma orientação sexual minoritária — A House Is Not a Disco. Há, contudo, declinações mais recentes desta alteridade quase invisível: o preconceito de idade (Thelma, em relação aos idosos; Gasoline Rainbow, com o foco na adolescência) ou o seio familiar, que pode ocultar o afastamento (Something, Anything; Ghostlight).

Outras fontes tradicionais de medo prendem-se com a saúde mental (a demência, os hospitais psiquiátricos) e com os fenómenos sobrenaturais (fantasmas, espiritismo). Também as encontramos na base da desconfiança e aversão contemporâneas. O “outro” pode estar dissimulado na loucura das redes sociais — Ingrid Goes West — ou presente através de sinais vindos do além — Light from Light.

Os doze filmes incluídos no programa deste ano levantam mais questões do que as respostas que dão, mas permitem, estamos certos, enriquecer o olhar sobre os vários “outros” que preocupam a sociedade americana de hoje.

Carlos Nogueira, Curadoria