Quando se visita o Congresso americano, no Capitólio em Washington D.C., uma “sala de cinema” (“Orientation theater”) é a primeira paragem dos visitantes. Em breves 13 minutos e num estilo hollywoodesco é-nos apresentado a sua história e algumas das suas características mais distintivas. Embora elucidativo e pedagógico, não é tarefa fácil encapsular uma história tão rica em tão pouco tempo. Da mesma forma, é igualmente difícil retratar de forma sucinta as características do Congresso americano em poucos caracteres — objetivo a que me proponho.
O Artigo I da Constituição dos Estados Unidos da América (EUA) coloca o Congresso no centro da governação americana, atribuindo-lhe a principal responsabilidade pela feitura de leis e concebendo-o como o ramo mais representativo do governo federal. Por estas razões, a literatura tem-se debruçado extensivamente sobre esta instituição. Desta forma, deixarei algumas sugestões de leituras no fim deste texto.
O Congresso americano possui uma estrutura bicameral, composto por duas câmaras legislativas, o Senado e a Câmara dos Representantes, que se reúnem separadamente nas duas alas do Capitólio. Cada câmara opera sob regras e procedimentos próprios e em ambientes distintos, possuindo a sua própria liderança. A escolha por uma estrutura bicameral, em detrimento de uma estrutura unicameral (como no caso português e na maioria dos países¹), assim como outras escolhas institucionais, encontra fundamento na história. Donald A. Ritchie em “The U.S. Congress: A Very Short Introduction” (2010:) conta a história (muito possivelmente falsa, segundo o autor) que Thomas Jefferson terá questionado George Washington sobre a necessidade de um Senado na configuração do governo americano. Washington terá perguntado: “Porquê razão derramas o café na chávena?” “Para esfriá-lo”, respondeu Jefferson. “É exatamente por isso que criamos o Senado”, terá afirmado Washington, “para esfriá-lo.”
Seja falsa ou verdadeira, esta história reflete com clareza a importância do sistema de “freios e contrapesos” (“checks and balances”)² no sistema político americano, seja pela divisão das competências federais entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, seja pela estrutura bicameral escolhida para o ramo legislativo. A importância deste sistema de equilíbrios encontra-se bem patente nos “Federalist papers” escritos por Alexander Hamilton, John Jay, e James Madison, que nos auxiliam a compreender o desenho institucional traçado no século XVIII, embora a expressão textual “checks and balances” não faça, curiosamente, parte da Constituição americana.
Desta forma, o Senado (câmara alta) é entendido como um segundo ramo da assembleia legislativa, distinto da Câmara dos Representantes (câmara baixa), mas dividindo com ele o poder. Cabe ainda a ambos os órgãos o escrutínio do executivo. Enquanto a Câmara dos Representantes é eleita a cada dois anos, garantindo assim a responsividade e accountability necessária e desejada perante o eleitorado³; por sua vez e de acordo com os “Federalists papers”, o Senado foi desenhado para conferir ao governo credibilidade suficiente junto dos poderes internacionais, um órgão que ocupasse o cargo por um período mais longo, proporcionando a continuidade necessária para o compromisso diplomático perante a ordem internacional. Mas em que medida estas duas câmaras se diferenciam? Possuem os mesmos poderes? E qual o tecido social que as constitui?
As duas câmaras possuem, em grande medida, poderes legislativos idênticos. Trata-se, portanto de um caso de “bicameralismo perfeito”, mais comum em sistemas presidenciais e federais (como na Suíça, com a Assembleia Federal “Ständerat”); em sistemas parlamentares, por norma, as câmaras têm poderes relativamente assimétricos (como é o ilustre caso do Reino Unido). Partilham, por isso, muitas competências, tais como na regulamentação de políticas de imigração e naturalização ou na capacidade de declarar guerra, entre outros⁴. Apesar desta simetria, existem algumas exceções importantes: a título de exemplo, recai sobre a Câmara dos Representantes a exclusividade de iniciar projetos de lei que impliquem mudanças na receita fiscal ou iniciar um processo de impeachment (denúncia do(a) presidente ou de outras altas autoridades federais). Por sua vez, o Senado detém o poder exclusivo de julgar a autoridade alvo do impeachment e decidir sobre sua possível destituição do cargo. Esta divisão entre o “poder de iniciar e acusar” e o “poder de julgar e potencialmente destituir” é, novamente, representativa do sistema de “freios e contrapesos” central no sistema político americano. A título de curiosidade, desde o primeiro impeachment em 1797, a Câmara dos Representantes iniciou este procedimento mais de 60 vezes⁵.
Olhemos agora para algumas das particularidades que consubstanciam as duas câmaras do Congresso dos EUA, ilustradas na tabela que se segue.
O Congresso dos EUA em números:
Fontes: Dados retirados da Constituição dos EUA e da base de dados “PARLINE” da Inter-Parliamentary Union.
Um total de 468 assentos no Congresso dos EUA (33 assentos no Senado e todos os 435 assentos na Câmara) estarão em disputa nas eleições deste ano, a 5 de novembro, cujo resultado poderá alterar, novamente, as dinâmicas de poder em Washington nos próximos anos.
O novo Congresso enfrentará muitos e complexos desafios político-partidários, geopolíticos, económicos e sociais, quer no plano doméstico como externo. Destaco um desafio em particular, porventura menos saliente, a relação desta instituição, por muitos considerada como o “pilar central do sistema constitucional” (Mann & Ornstein, 2006:242), com os cidadãos norte-americanos. Dados de Setembro do ano passado, apontam que apenas 26% dos adultos nos EUA têm uma visão favorável do Congresso⁶. Permanece assim uma dúvida e inquietação: Como pode o Congresso contribuir para a melhoria da sua imagem e estreitar a sua relação com a opinião pública no contexto particularmente desafiante e polarizado que vive os EUA (e o mundo)?
As minhas sugestões de leitura:
¹Segundo dados da Inter-Parliamentary Union 112 países possuem uma estrutura unicameral e 78 uma estrutura bicameral.
²O termo ‘freios e contrapesos’ não aparece textualmente na própria Constituição, mas é utilizado nos “Federalist papers”.
³Ideias presentes nos papers nºs 62 e 63.
⁴Constituição dos EUA, artigo I, secção 8.
⁵https://www.loc.gov/nls/new-materials/book-lists/the-history-of-impeachment/.
⁶Dados disponíveis em https://www.pewresearch.org/politics/2023/09/19/evaluations-of-members-of-congress-and-the-biggest-problem-with-elected-officials-today/.
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