Com o mundo em suspenso, neste segundo episódio das Atlantic Talks trazemos-lhe uma conversa com Gonçalo Cadilhe, provavelmente o mais conhecido e mais bem sucedido dos jornalistas de viagens portugueses, que nos fala sobre como foi ficar em casa depois de três décadas de viagens, e as suas travessias em território americano.
Numa altura em que a ideia de voltar a viajar parece um cenário de uma realidade alternativa, convidámos uma pessoa que há décadas faz disso o seu modo de vida. Gonçalo Cadilhe, o eterno viajante português que demonstrou o quão grande e diferente é o mundo em que vivemos. Em casa, impossibilitado de fazer o que mais gosta, revela-se inesperadamente tranquilo, e leva-nos numa viagem no tempo até ao início da primeira década do século.
Em 2002, arrancou para um dos seus primeiros grandes projetos de viagens: uma volta ao mundo sem apanhar aviões, apenas recorrendo ao transporte marítimo e terrestre. É precisamente nesse ano que arranca de Valência num cargueiro em direção a Nova Iorque, naquilo que recorda como um dos momentos que o marcou.
“A minha chegada aos Estados Unidos, a Nova Iorque, de cargueiro, foi de facto um dos momentos mais extraordinários da minha vida.” – Gonçalo Cadilhe
Os dias que passou em Nova Iorque antes de apanhar o Greyhound para atravessar o país, permitiram-lhe visitar Ellis Island, o ponto de entrada dos imigrantes que chegavam aos Estados Unidos no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, e o museu que celebra esse ponto fundamental na formação da identidade americana. Esse foi o primeiro momento do que viria a ser uma crescente admiração pelo povo americano.
“Tenho uma grande admiração pelo povo americano porque é precisamente um povo que descende de imigrantes, que, não tanto por uma situação desesperada – não eram refugiados –, decidiram lutar contra o destino, contra a adversidade, tomar uma decisão brutal, dificilíssima que é a decisão, no século XIX início de século XX, de abandonar o conforto, entre aspas, a situação mais ou menos cómoda que tinham na Europa para começar do zero nos Estados Unidos. (…) Essa génese do povo americano feita de aventureiros, de temerários que abandonaram séculos e séculos de tradição familiar para ir começar do zero num país onde nada conheciam é extraordinária.” – Gonçalo Cadilhe
De Nova Iorque seguiu viagem pelo interior dos Estados Unidos, até chegar à Costa Oeste, passando por terras mais pequenas, tendo contacto com a diversidade de povos que coexiste dentro do mesmo país e que fala a mesma língua. Pelo meio, diz, há três cidades que são culturalmente incontornáveis. Nova Iorque, por onde começou esse périplo que terminaria apenas em 2004. São Francisco, outra meca cultural, menos semelhante à Europa do que a Big Apple. E, pelo meio, um marco da essência da América que conhecemos hoje: Chicago.
“Em termos culturais, em termos artísticos, penso que há três cidades que são incontornáveis: Nova Iorque, São Francisco e Chicago. Curiosamente, Chicago, talvez a menos óbvia das três, se uma pessoa for bem informada e tiver estudado a sua lição vai descobrir que é o motor, o forno, de onde surgiu a potência americana. Claro que Nova Iorque sempre foi o símbolo, mas aquilo que aconteceu em Chicago, na arquitectura, na indústria alimentar, na indústria dos transportes, faz dessa metrópole um dos lugares culturalmente mais interessantes em termos de memória para se visitar nos Estados Unidos.” – Gonçalo Cadilhe
Gonçalo Cadilhe deixa ainda alguns conselhos aos viajantes. É preciso ajustar as expetativas relativamente à mítica viagem através da Route 66, a estrada que atravessa os EUA, que hoje em dia já não é bem um só caminho, e que não permite uma “experiência mística” para um turista. Mas continua a valer a pena. “Se aconselho alguém a fazer hoje a Route 66, eu acho que sim, acho que é uma experiência interessante. É muito longa, 4000 e tal quilómetros, mostra bem a variedade das paisagens, das cidades, dessa variedade que permite que seja um grande país.”
Pode ouvir o novo episódio das Atlantic Talks onde normalmente ouve os seus podcasts. Pode também encontrar este episódio nos links abaixo.
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