O nosso convidado desta semana das Atlantic Talks é Martim Sousa Tavares, maestro e fundador da Orquestra Sem Frontreias. Formado em Ciências Musicais e Direção de Orquestra em Lisboa, Milão e Chicago, Martim Sousa Tavares tornou-se num dos principais divulgadores de música clássica, em Portugal, também em concertos improváveis na discoteca LuxFrágil.
Apesar de ser difícil definir o que é “música americana”, Martim Sousa Tavares dá uma resposta cabal a esta pergunta de Filipe Santos Costa: “é a música que se faz da América.” A música que é reflexo daquilo que é viver numa sociedade com as suas tradições culturais, que no caso dos EUA, pela sua diversidade e proporção quase continental, pode refletir diversas coisas.
“O Armstrong tem uma visão da América, e uma experiência daquilo que é ser americano, que o Bernstein ou o Gershwin não tiveram, e vice-versa. Ou seja, o Bernstein pode contar aquilo que é ser um judeu descendente de imigrantes da costa leste, por exemplo. O Armstrong conta uma história completamente diferente. Mas ambas são músicas que são feitas da América, que nascem dessa experiência.” – Martim Sousa Tavares
Como tantos europeus, Martim Sousa Tavares fez parte do seu percurso musical nos EUA, no seu caso em Chicago, na Northwestern University, mas não ficou por lá, e no episódio desta semana relembra que em tempos foi a Europa a grande colonizadora da música dita “americana”.
“Convém lembrar que a história dos EUA é uma história de colónia, e, portanto, é normal que tenha sido colonizada culturalmente pela Europa durante séculos. E, não é pelos ingleses saírem que as coisas deixaram de ser assim.” – Martim Sousa Tavares
Até ao início do século XX, a grande fonte de legitimação e satisfação cultural nos Estados Unidos era, segundo Martim Sousa Tavares, “trazer os melhores da Europa, e depois importar os seus modelos e fazer uma espécie de reciclagem artística.” O advento do Jazz veio mudar tudo isto, a primeira linguagem musical reconhecida como americana, onde, pela primeira vez, se dá precisamente o contrário, são os EUA a atraírem a atenção de compositores do mundo inteiro.
“Berlim nos anos 20 está doida com o Jazz, a cidade está doida com aquilo, e o Kurt Weill e o Krenek estão a introduzir o Jazz em estilo alemão. Em Paris a mesma coisa, o Ravel começa a escrever música em estilo completamente jazzístico. (…) E é muito interessante ver isso por exemplo no Ravel, ouvir isso num Hindemith, como no seu percurso às tantas entra esta linguagem americana que eles absorvem.” – Martim Sousa Tavares
No que toca às fronteiras impostas entre géneros musicais, como é o caso da música clássica e do pop, Martim Sousa Tavares não acredita nas mesmas, e afirma que o seu interesse está nos pontos de contacto entre as duas formas de expressão musical.
“Não posso obrigar a quem goste de música clássica a também ouvir a música pop. Mas posso, isso sim, tentar que a música clássica esteja em diálogo com a música pop. E se eu escrevo uma peça posso perfeitamente fazer um piscar de olhos ou fazer uma brincadeira com qualquer coisa da música pop. A música clássica não perde nada com isso, muito pelo contrário, só se revela aberta e ecuménica, e em relação com o mundo à sua volta, uma arte viva. A música pop também não perde nada com isso. E acho que o público também não. Portanto, verdadeiramente não há razão para se querer que as coisas estejam em câmaras estanques.” – Martim Sousa Tavares
Apesar destas barreiras, um dos grandes objetivos de Martim Sousa Tavares é aproximar a música clássica a públicos mais jovens, a públicos diferentes, e pensar fora da caixa. Uma dessas experiências foi a sua programação musical na discoteca LuxFrágil.
“Era assim que se vivia esta música, em enorme proximidade. Hoje em dia, pomo-la numa câmara antissética, em cima de um palco, as pessoas todas em absoluto e fatal silêncio. E atenção, o silêncio é bom para a música, claro que sim, não digo que não, mas se podermos manter o silêncio e ter uma atitude mais de proximidade, do público não ter de estar sentado a dois metros e meio e a um patamar inferior, mas poder aproximar-se, poder circular e poder ter um copo na mão, não há problema absolutamente nenhum. (…) E, no fundo, aquilo que se proponha [no LuxFrágil] era que cada pessoa fizesse a experiência que quisesse à volta daquilo, mas pronto, com liberdade.” – Martim Sousa Tavares
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