Em ano de eleições presidenciais, as relações EUA-Rússia atravessam o seu pior momento talvez desde a crise dos mísseis de Cuba de 1962. O contexto da invasão russa da Ucrânia veio fragmentar o que restava de uma cooperação difícil. A vontade de afirmação de estatuto como grande potência que Putin avança e a contestação ao que define como hegemonia norte-americana marcam o passo. Pelo caminho, na lista de diferenciais o Kosovo e a intervenção no Iraque foram amplamente criticados pelo Kremlin, a Geórgia e Ucrânia duramente criticadas por Washington, donde as sanções e quebra nas relações diplomáticas são evidência, enquanto a cooperação contraterrorismo e sobre não-proliferação nuclear se foi mantendo na agenda. Mas até estas áreas de cooperação foram questionadas pelo ruir do regime de controlo de armamento e por realinhamentos desta Rússia ‘multi-regional’ (Irão e Coreia do Norte), com crescente relevância em palcos como o Médio Oriente ou o Indo-Pacífico, e claro, a Europa. Na Ucrânia, a alteração da narrativa de desnazificação e desmilitarização do país para uma narrativa de guerra com o ocidente, onde a Aliança Atlântica e os EUA figuram de forma particular, ilustra bem o distanciamento existente, bem como as trocas de acusações ao mais alto nível, numa linguagem pouco própria dos meios diplomáticos. Biden chama a Putin “assassino”, Peskov responde que Biden parece um “cowboy de Hollywood”, e Medvedev refere-se ao presidente norte-americano como “velho inútil”.

Neste contexto de hostilidade, Putin comenta que prefere Joe Biden na presidência, entendendo-o como um líder fragilizado, mas afirma que independentemente de quem seja o próximo presidente dos EUA, as relações com a Rússia não se devem alterar. Acrescenta que Donald Trump tem um comportamento menos previsível, e que apesar de afirmações de que tem uma relação especial com a Rússia, foi o presidente que mais sanções impôs ao país. Adiciona ainda, no entanto, que os processos legais em curso contra Trump revelam a “podridão” do sistema político norte-americano. Apesar da liderança russa já ter claramente afirmado que não terá qualquer envolvimento no processo eleitoral nos EUA, há já sinais em sentido contrário. A interferência russa nas eleições de 2024 é um tema premente na agenda de Washington, face a relatórios que a confirmam em eleições anteriores. Não se trata tanto de interferência na contagem de votos, mas antes no processo, nomeadamente através de desinformação em relação ao atual presidente e ao Partido Democrata, disseminando desconfiança no processo eleitoral e desmobilizando alguns de exercerem o direito de voto, incluindo desinformação e bots, vídeos e áudios em deepfake, sempre com o objetivo de gerar instabilidade e reduzir a credibilidade de partidos e autoridades legítimas. Neste contexto disruptivo, é essencial que os EUA implementem uma estratégia de dissuasão e contra desinformação eficiente, limitando o alcance desta interferência num processo já de si complexo, dado o contexto interno de elevada polarização. Quanto ao futuro das relações EUA-Rússia, não parece haver espaço político para uma alteração fundamental a breve trecho, enquanto as visões da segurança e ordem internacional assentarem em pilares tão díspares quanto distantes.