Vendeu quase 4 milhões de exemplares e está traduzido em 37 línguas. Terra Americana (Edições ASA) levou a escritora Jeanine Cummins ao céu literário, mas também ao inferno pessoal. Deitou-a abaixo, levou-a a questionar-se, mas três anos depois de toda a polémica, Jeanine Cummins demonstrou na FLAD que está mais livre que nunca. E que está a escrever novo livro.
A nossa convidada de março do Meet the Author, Jeanine Cummins, nasceu em Espanha, tem raízes porto-riquenhas e irlandesas, e graças ao pai – que era militar – viveu em diversas partes do mundo, incluindo na Irlanda do Norte, antes de assentar nos Estados Unidos, mais concretamente em Nova Iorque, onde vive com o seu marido (irlandês, que viveu ilegalmente nos EUA durante uma década) e os seus dois filhos.
A sua história é, em grande medida, uma história de identidade, de como uma mulher – branca e ao mesmo tempo porto-riquenha -, viveu no cruzamento entre culturas, primeiro pertencendo, e, logo, sendo questionada.
Mas também é uma história de trauma. Duas das suas primas foram violadas e assassinadas no Mississipi quando Jeanine Cummins tinha apenas 16 anos, num ataque em que apenas sobreviveu o seu irmão. O seu pai morreu quando escrevia aquela que viria a ser a sua obra mais famosa – Terra Americana -, mas também a mais polémica.
Em 2020, Jeanine Cummins tornou-se um sucesso de vendas. À sua quarta obra, recebeu um contrato milionário, depois de uma intensa disputa entre editoras, foi escolhida pelo Clube do Livro de Oprah Winfrey – o mais importante dos EUA – e estava no céu literário até que uma crítica de uma escritora mexicana, com acusações de apropriação cultural, e questões sobre a sua identidade levaram a ameaças, ao cancelamento da sua digressão e do lançamento público do seu livro.
“Durante toda a minha vida, sempre que estive numa posição em que estava preparar para discutir a minha identidade, sempre foi claro o que eu era. Sou irlandesa e sou porto-riquenha. Com muito orgulho. (…) Nunca pensei que teria de defender a minha etnia no ano de 2020. Não devo explicações a ninguém sobre onde o meu pai cresceu, ou a língua que falava enquanto crescia só porque escrevi um romance. Não diz respeito a ninguém. E foi incrivelmente doloroso. É uma coisa tão pessoal, a identidade.” – Jeanine Cummins
Terra Americana conta a história de Lydia e Luca, únicos sobreviventes do massacre da sua família às mãos de narcotraficantes, enquanto fogem do México, onde cada minuto conta e cada troca de olhares está impregnada de perigo. Para Jeanine Cummins, que passou cinco anos a fazer pesquisa para escrever este livro, o seu ‘porquê’ é muito simples: “eu sei porque escrevi o livro. Foi porque era um tema que achei que as pessoas não estavam a prestar atenção suficiente.” E acrescentou uma estatística aterradora: 8 em cada 10 mulheres são violadas nesta viagem da América Central para os EUA.
A violência das críticas, das ameaças e a pressão de todo o processo levou a escritora a questionar-se e ao seu trabalho. Mas a conclusão será que irá agradar aos seus leitores mais fiéis.
“Foi muito doloroso viver esses momentos depois da publicação do livro. Passei por um longo período de autorreflexão em que me questionei se teria, de facto, feito alguma das coisas que me acusaram de fazer. Mas devo dizer que cheguei ao final desse intenso período e a conclusão é que estou bem. Vou escrever outro livro. Vai irritar as pessoas. E estarei bem na mesma.”
“Estamos num momento assustador em termos culturais, em que há uma tremenda quantidade de autocensura que está a acontecer nas artes, em específico entre os autores de ficção. Estou certo de que estou em perigo de autocensura em certos momentos, mas de certa forma sinto que sou a escritora mais livre nos EUA porque, de certa forma, já fizeram o seu pior, e ainda aqui estou.” – Jeanine Cummins
Jeanine Cummins esteve na FLAD no dia 23 de Março no âmbito do Meet the Author, uma iniciativa mensal da FLAD, em parceria com o PÚBLICO, que traz a Portugal escritores americanos para conversas com os leitores. Estas sessões são abertas a todos os leitores, e gratuitas, e conduzidas pela jornalista e crítica literária, Isabel Lucas.
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